segunda-feira, 21 de abril de 2008

Sarabande

II
Deixei de pensar. Não há muito mais a pensar. Afinal de contas a Esquerda morreu. Vá lá: isto não é música para os vossos ouvidos. Like a song (“Hey! Mr. Tambourine Man play a song for me. I’m not sleepy and there is no place I’m going to”): ouço e esqueço. Porque tenho que me deslumbrar com ideias passadas, ou com a Beat Generation? Por muito que se tente o contrário, o livro terá sempre mais valor que as suas citações mais célebres.
Pedi ajuda a Deus. Um deus qualquer; encontrei a sua morada num papel rasgado, que voou até mim, ali perto da igreja matriz. Ele disse-me para aguardar pela minha vez na sala de espera. Quando finalmente se mostrou disponível, simplesmente me sussurrou que a revolução deveria ser feita na consciência e não na rua. Aconselhou-me a aprender inglês e viajar com os
Hell´s Angels.
How many roads afinal? Hei-de desfilar os meus sonhos, em marchas e protestos, na Times Square, e nas avenidas de Washington. Ou talvez fique mesmo aqui pela Rua Direita. Caminharei ao som de hinos americanos acerca da igualdade do Homem, caminharei ao som de canções que já ninguém canta. Rejubilarei a liberdade que a morte dos meus ideais comunistas me deu.
I’ll be free at last, thank God almighty, I’ll be free at last.
Claro que algo acontecerá: não seria crescer se algo não acontecesse. Entretanto a chuva cai e faz sol: “Shit... I’m waiting for the sun to shine”. A chuva vai cair, será dura e esperançosa. Andarei por entre vales e florestas. Passarei por oceanos mortos, será como um poema paranóico, frio e pedrado. Excitante! Mas facilmente esquecível...
Convido-vos agora a não serem idealistas, convido-vos a não misturarem a sensibilidade da vossa juventude com o zelo da futura idade. Crenças e mais crenças. Acaba um dia. Tal como as conversas nas estações só duram até o comboio chegar.
Sim, eu sei. Todos aqueles que sonharam um dia ser personagens de um road movie acabarão velhos, e distantes: encaixados, e conectados com a temática de um filme de Ingmar Bergman. Verão à vossa frente relógios sem ponteiros e relíquias do princípio do século XVI. Passarão a adorar as vossas glórias passadas e o tempo fluirá. Dirão com prazer que o vosso ídolo de juventude era o Álvaro Cunhal, mas nunca leram o Manifesto. Esperarão, secretamente, uma revolução que nunca chegou. E para quê? A tal viagem nunca foi feita, e tudo o que viram foi a doçura da ignorância. Sentir-se-ão frustrados pelo tempo perdido em maquilhagem, e em leituras da Vogue. Perderão todos os vossos objectos míticos, ou nostálgicos: o formato digital passará de moda, e vossos descendentes não darão valor ao disco rígido do vosso coração. Haverá poetas que ressuscitarão. Serão os novos Camões, os Pessoas, os Ginsbergs descobertos e revisitados. Mesmo assim, os velhos deixarão de ser velhos pois não mais existirão rugas. Não mais serão estes os governantes: serão destituídos de seus cargos quando o primeiro cabelo ficar branco, quando a barba não mais crescer escura.
“There’s no black and white, left and right to me anymore. There’s only up and down, and down is very close to the ground. And I´m trying to go up without thinking about anything trivial, such as politics”. Porque me tenho que sujeitar a uma descoberta que não foi minha; Porque necessitam de categorizar? Respondo-vos hoje, com a sinceridade da minha adolescência não juvenil, que não o farei: Não tomarei um ou outro caminho. Caminharei onde não há estrada. Construirei a minha rua à medida que avanço.
Não me importo que falem no termo outsider. Tenho orgulho até. Por isso, se quiserem fazer a vossa viagem, vão. Aqui a “non-insider” vai só...

“The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn, like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars...”
-Jack Kerouac

Zita Esquerda de Sá

Sem comentários: