quarta-feira, 23 de abril de 2008

Lembra-se de Glenn Jones?

Glenn Jones é um nome que merece uma memória. Todos nós devíamos ter alguma imagem narrada por uma banda sonora colorida, uma que nos lembrasse (a todos aqueles que gostam de viver com todos os sentidos) a experiência simples de ouvir uma história sem texto. Eu fui um dos sortudos que conseguiu uma memória, não a posso vender, posso apenas descrevê-la, mas não ficará muito perto da realidade:

Barcelos, 15 de Março de 2008, Salão Nobre da Câmara Municipal, noite escura. Glenn Jones era o homem de que se falava, “o tal americano” que, como tantos outros, vinha para vender música. Após um pouco de espera, o salão encolheu, um homem ficou grande e as suas músicas pequenas em falso orgulho. De forma íntima foi como tudo se passou, mas apenas no início, porque logo se transformou em pessoal.

Doze cordas de uma guitarra (que não podia ser mais dedilhada) podiam-se contar, e músicas surgiam como se uma idade média ainda não tivesse acabado e uma grande imaginação se mostrasse ao público. Pausas para falar com os ouvintes, que naquele momento já se sentiam amigos de longa data e tempo para explicar que a inspiração veio de fontes tão diversas como um casamento ou um livro. Seis cordas diferentes deslizaram e trouxeram um “blues orgânico”. Um banjo fez uma intervenção pequena, como a sua própria altura, mas nem por isso menos elaborada. O local tornou-se perfeito, o eco tornava naquele instante um acontecimento num sonho. As afinações não mentiam, e da mesma forma que o mestre as mandava serem gentis e dóceis, derretendo-se ao toque, ordenava que se tornassem agressivas e profundas, até sombrias. No momento em que pensávamos que a surpresa já não era possível, saímos de um Salão Nobre e viajámos para o interior de uma fábrica de cimento. Ao comando do tímido génio das histórias sonoras e guitarras domadas, obedecemos, fizemos com que os pequenos aparelhos que nos ajudam a comunicar se tornassem objectos de arte. A dissonância de sons elevou-se e todos ficaram cientes que a magia não existe, mas existem experiências mais fortes que o imaginário.

Só lamento que a minha memória não tenha sido repetida em todos os presentes. Nem todos conseguimos não ter medo do que não conhecemos, mas há lugar para todos. Todos podem ter uma memória com Glenn Jones.

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