terça-feira, 5 de agosto de 2008

Une Femme

Depressa. Organizemo-nos. Luzes! Câmara. Acção! Um café não muito cheio onde as horas já não passavam excepto em direcção à doença da reforma. Ou aquele quiosque onde param os conhecidos que não se vêm. A maquilhagem é clara e o azul predomina. Que postais bonitos, com animais muito amarelos, e sorrisos pouco fingidores. Oh, que ar triste… Em que pensas? Não te vás embora! Boa noite. Feliz não-aniversário. Virgem? Hum… fala em sentimentos, e acontecimentos muito felizes. Pode ser que corra bem. Que música de circo insuportável! Que dor de cabeça…
Era uma vez uma rapariga que amava dois “tipos” ao mesmo tempo. Mandou-lhes um telegrama a marcar um encontro. Duas horas de diferença, um a Norte, outro a Sul. Logo após pôr os telegramas no correio apercebeu-se de que tinha trocado os envelopes. Correu para casa do primeiro, o envelope ainda não tinha chegado; ela é obrigada a contar tudo. Ele atira-a contra a porta quando descobre que a rapariga andava também com outro. Ela corre para o outro lado da cidade, para a casa do outro: o telegrama já tinha chegado. O segundo não parecia nada chateado. Pelo contrário. Muito rapidamente ela explica o que se passou. Então, ele atira-a também contra a porta, e mostra-lhe o telegrama.
A rapariga percebe que não tinha trocado os envelopes.
A história não interessa; apenas o carácter: a rapariga que se engana sempre.
Karina não concorda. Sabe apenas que não há diferença na expressão. Seja verdade ou mentira. Cada um por si, é triste, teria que haver a certeza. Há quanto tempo que não sei que dizer, e tenho medo. Fiquei admirada pelas notícias, e intriga-me a razão. De que vamos falar hoje? Inventar um assunto que não é compatível; fazer pequenas inconfidências, e confessar indirectamente algo? Atravessar todos os pensamentos no anseio de encontrar algo em comum: talvez uma música que expresse o vazio.
Engano-me sempre. Bem sei que deve haver uma diferença entre a verdade e a mentira.
Por enquanto espero e espero. Mas enquanto isso, não me apetece pensar. Já aturei o suficiente; e ainda nada suportei. Deixa-se ir, deixa-se ir. Que visão! Que pose! Que beleza transversal.
A miúda dos dois “tipos” não sabe ainda.
“Volta a ser a rapariga”.
Inventei um truque espectacular. Ouvir o Charles durante a caminhada: ver uma foto e perceber que a foto está desfocada porque a maquilhagem não está devidamente proporcional, e não convém olhar directamente a câmara. Exasperas-me. Não adianta nada beber. Mesmo assim… E quando fechei os olhos vi formas sem curiosidade alguma, sem atracção ou máscara.
Então Aznavour deixou de fazer sentido.

Para,
Anna Karina
(e todas as outras).

L.S.A


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